Era uma manhã fria de
chuva fina e vento cortante. Não podia mais esperar, tinha que resolver o que
vinha adiando há meses. Morgana saiu da cama, olhou-se no espelho e entrou no chuveiro
para um demorado banho quente. Secou os cabelos, vestiu-se, tomou um café preto
e forte, comeu duas torradas com mel e seguiu para seu destino.
No metro pensava o que
diria quando entrasse na sala que todos, certamente, já deveriam estar a sua
espera. Conforme o trem avançava seu coração apertava e quando chegou sua
parada suas pernas pareciam pesar uma tonelada, foi realmente difícil sair e
subir as escadas da estação que a levaram para frente do grande edifício
central da Avenida 7. Morgana ficou parada na frente do prédio olhando para
cima como se quisesse ver a sala que ficava no vigésimo terceiro andar, depois
de alguns segundos que pareceram eternos, entrou no prédio e seguiu para o elevador.
Subiu cada andar com o coração aos saltos. Ao chegar se anunciou na recepção e
foi conduzida a grande sala de reunião onde todos já a esperavam. Foi recebida
pelo velho Alfredo que a conduziu a um lugar reservado para ela. “- Bom dia Morgana, queira sentar-se aqui,
por favor. Café, água, suco, o que prefere¿” Fez um aceno de negação
com a cabeça sentou, no local indicado, e abriu a pasta que trazia colocando
alguns papéis sobre a mesa e dando bom dia a todos disse que estava pronta para
começar a reunião.
Os dias se passaram com
Morgana cada vez mais certa de que sua decisão foi a melhor que poderia tomar,
apesar de estar lhe custando várias noites em claro a pensar nas consequências
que poderá ter, mas que apesar do risco não lhe restou outra saída.
Alfredo estava preocupado,
pois já era a terceira vez que ligava para o celular de Morgana e não conseguia
falar com ela. Não queria insistir, nem tão pouco parecer invasivo, mas o velho
advogado realmente gostava dela, a acompanhou desde a morte dos pais, em um
trágico acidente de carro há dez anos. Sabia que seu compromisso com ela se
extinguiu após a reunião naquela manhã chuvosa e tensa há três semanas, mas
mesmo assim sentia-se na obrigação de zelar por seu bem estar. Ele não
concordou com a decisão tomada por Morgana, mas tinha que respeitar e fez tudo
para viabilizar o caminho escolhido por sua cliente.
Morgana estava agora com
vinte e cinco anos, dez anos já haviam se passado daquela fatídica noite em que
recebeu a notícia do acidente de carro sofrido pelos pais, que os levou a
morte. Após a perda dos pais teve que ir morar com Endora, sua tia, irmã de
Lasneu, seu pai. Endora era uma mulher de princípios fortes e achava que como a
sobrinha estava sob seus cuidados, tinha que seguir as mesmas regras de
educação que ela havia tido e isso foi realmente duro para menina que estava
acostumada a uma vida cercada de carinhos e agora só tinha regras e ordens a
seguir. Foi nessa época que Alfredo conheceu Morgana, pois fazia parte das
determinações deixadas pelo pai para o caso de sua falta, que ele, que era
advogado da família, a acompanhasse e cuidasse de todos os bens deixados para
ela até que completasse vinte e cinco anos, quando poderia gerir ela mesma o
que era seu. O calvário vivido ao lado da tia durou três anos, quando essa,
para alivio de Morgana faleceu. A partir de então passou a viver sozinha na casa
dos pais, que estava fechada desde a morte deles e só poderia ser passada a
ela, como todos os outros bens após ter completado vinte e cinco anos, mas
devido à morte da tia, Alfredo conseguiu viabilizar os documentos para que
tomasse posse da casa, embora tenha continuado a gerir seus bens, como
determinação legal. Mas ele a supria de tudo que precisava e muitas vezes fazia
vista grossa para os critérios de liberação de recursos que deveriam seguir
algumas normas. Ela ficou lá até completar vinte e um anos, quando fechou a
casa e quis ir morar em um pequeno apartamento no centro da cidade, o que
também custou a Alfredo alguns arranjos para liberação de verba para o aluguel,
mas que como tudo que ela pedia, conseguiu dar um jeito. Ela havia começado a
estudar moda, depois de ter abandonado a faculdade de direito no terceiro ano.
O curso era no centro da cidade e ficava muito insatisfeita por não poder ficar
nas conversas de pós aula para não perder o ultimo horário do trem de volta
para casa. Alfredo havia se tornando mais que um advogado, era como um amigo
mais velho, um conselheiro, embora nunca tenha conseguido convencê-la a deixar
de fazer o que queria como foi o caso de largar a faculdade de direito após já
ter cursado três anos e de ser uma excelente aluna. Nenhum dos argumentos usado
pelo velho e bom amigo, como ela o chamava, foi capaz de fazê-la desistir da
ideia. Mas com o passar do tempo, embora não admitisse para ela, Alfredo achou
que tinha feito a escolha certa, pois nunca a tinha visto tão feliz e
realizada. Mas já não podia dizer o mesmo da última decisão que a viu tomar.
Agora
já de posse total de seus bens, podia dar vazão a seu desejo de vender a casa
dos pais, o que antes, mesmo com todos os arranjos de Alfredo para satisfazer
seus anseios, não era possível. Apesar de ter essa vontade desde que saiu da
casa, sentiu um vazio quando finalmente concretizou a venda. Ali havia vivido
uma parte feliz de sua vida e ao mesmo tempo a mais triste, que fora a perda
dos pais. Outro desejo realizado foi a compra de um grande apartamento, também
no centro da cidade, mas agora com espaço para montar seu próprio atelier.
Estava feliz com suas novas conquistas, mas ainda bem aflita com o rumo que sua
vida estava tomando, mas mesmo assim certa do que queria. E assim seguiu para
viver sua vida com todos os desafios e riscos que sua decisão poderia ter, mas
também com a satisfação de ter feito o que achava que era necessário, embora
sem nunca ter tido a certeza de ter feito a melhor escolha.
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